Superior Tribunal de Justiça - STJ.
HABEAS CORPUS Nº 138.144 - MG (2009/0107357-3)
RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ
IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADO: GUILHERME TINTI DE PAIVA - DEFENSOR PÚBLICO
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE: CLAUDIONEY DE RESENDE
EMENTA
HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. MÍNIMO DESVALOR DA AÇÃO. VALOR ÍNFIMO SUBTRAÍDO . IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA NA ESPERA PENAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. A conduta perpetrada pelo agente - tentativa de furto de barras de chocolate avaliadas em R$ 44,46 -, insere-se na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela.
2. O princípio da insignificância tem aplicação na hipótese, tendo em vista a inexpressividade da lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente, a ausência de periculosidade social da ação, a mínima ofensividade da conduta, além do fato de não ter existido nenhuma conseqüência danosa, o que exclui, portanto, a própria tipicidade penal.
3. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília (DF), 08 de setembro de 2009 (Data do Julgamento)
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de CLAUDIONEY DE RESENDE, denunciado pela prática, em tese, do crime de furto simples, na forma tentada, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que denegou a ordem originária, nos termos da ementa a seguir transcrita, in verbis:
"EMENTA: 'HABEAS CORPUS' - FURTO TENTADO - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - EXAME APROFUNDADO DE PROVA - IMPOSSIBILIDADE - ORDEM DENEGADA - A falta de justa causa a autorizar o trancamento da ação penal pela via do 'habeas corpus' é aquela que se apresenta patente e incontroversa, sem a necessidade de aprofundado exame do acervo fático-probatório." (fl. 64)
A Impetrante alega, em suma, a atipicidade da conduta do Paciente, sob o argumento de que os bens subtraídos - doze barras de chocolate, no valor de R$ 44,46 - atraem a aplicação do princípio da insignificância.
Requer, em liminar, o sobrestamento do feito e, no mérito, "o trancamento da ação penal" (fl. 14).
A liminar foi deferida às fls. 77/78, para determinar o sobrestamento da ação penal até o julgamento final do habeas corpus.
Por estarem os autos devidamente instruídos, foram dispensadas as informações da Autoridade Impetrada.
O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 85/90, opinando pela denegação da ordem.
É o relatório. Decido.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
De início, cumpre observar que, na espécie, não há como reconhecer a extinção da punibilidade estatal pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, porque, em se tratando do crime previsto no art. 155, caput, c.c. o art. 14, inciso II, do Código Penal, o prazo regula-se pelo art. 109, inciso IV, do mesmo Codex, ou seja, oito anos, lapso que, levando-se em conta a causa interruptiva do art. 117, inciso I, do Código Penal (data do recebimento da denúncia: 16/11/2005), ainda não transcorreu.
De outro lado, a Impetrante sustenta que a hipótese é de aplicação do princípio da insignificância para trancamento da ação penal, sob o fundamento de que os bens subtraídos (12 barras de chocolate) foram avaliados em R$ 44,46 (quarenta e quatro reais e quarenta e seis centavos).
Pois bem. Narra a denúncia que o Paciente foi preso em flagrante em 22/03/2005, por ter tentado subtrair, para si, 12 barras de chocolate do estabelecimento comercial Hipermercado Extra.
Com efeito, diante do caráter fragmentário do Direito Penal moderno, segundo o qual se deve tutelar apenas os bens jurídicos de maior relevo, somente justificam a efetiva movimentação da máquina estatal os casos que implicam lesões de real gravidade.
É certo que o pequeno valor da res furtiva não se traduz, automaticamente, na aplicação do princípio da insignificância. Não se pode confundir o pequeno valor com valor insignificante, que é aquele que causa lesão que, de per si, não tem qualquer relevo em sede de ilicitude penal.
O valor da res furtiva (12 barras de chocolate) - R$ 44,46 (quarenta e quatro reais e quarenta e seis centavos) - pode ser considerado ínfimo, tendo em vista, sobretudo, o fato de o crime não ter causado nenhuma conseqüência danosa, porque o Paciente foi preso em flagrante, não tendo a vítima experimentado qualquer prejuízo patrimonial.
É bem verdade que não basta a restituição do bem subtraído à vítima para atrair a incidência do princípio da insignificância, na medida em que, por óbvio, o entendimento equivaleria a considerar atípico o crime de furto tentado.
Todavia, nos termos da melhor jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se aferir o desvalor da ação, nada impede que a inexistência de lesão ao patrimônio da vítima seja considerada em conjunto com os demais elementos fáticos, para apreciar a mínima ofensividade da conduta do agente e a inexpressividade da lesão jurídica provocada pela ação, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo tipo é o patrimônio da vítima que, a toda evidência, não sofreu dano algum.
Em caso de furto, para se considerar que a conduta do agente não resultou em perigo concreto e relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico jurídico tutelado pela norma, deve-se conjugar a inexistência de dano ao patrimônio da vítima com a periculosidade social da ação e o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente, elementos que estão presentes na espécie.
Confiram-se, nesse sentido, os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal:
"PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, "CAPUT") DE CINCO BARRAS DE CHOCOLATE - "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 4,3% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO PARA ABSOLVER O PACIENTE. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. - O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Precedentes. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O FATO INSIGNIFICANTE, PORQUE DESTITUÍDO DE TIPICIDADE PENAL, IMPORTA EM ABSOLVIÇÃO CRIMINAL DO RÉU. - A aplicação do princípio da insignificância, por excluir a própria tipicidade material da conduta atribuída ao agente, importa, necessariamente, na absolvição penal do réu (CPP, art. 386, III), eis que o fato insignificante, por ser atípico, não se reveste de relevo jurídico-penal. Precedentes." (HC 98.152/MG, 2.ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 05/06/2009.)
"HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. OCULTA COMPENSATIO.
1. O princípio da insignificância deve ser aplicado de forma criteriosa e casuística.
2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo.
3. O paciente tentou subtrair de um supermercado mercadorias de valores inexpressivos. O direito penal não deve se ocupar de condutas que não causem lesão significativa a bens jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem tutelado ou à integridade da ordem social. Ordem deferida." (HC 92.744/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. EROS GRAU, DJe de 15/08/2008.)
"HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO SIMPLES (CAPUT DO ART. 155 DO CP). OBJETO DO DELITO: CINCO PEÇAS DE ROUPAS USADAS. ALEGADA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA, POR SE TRATAR DE UM INDIFERENTE PENAL. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O furto de cinco peças de roupas usadas, nas circunstâncias do caso, não agride materialmente a norma que se extrai do art. 155 do Código Penal. Peças de roupas usadas que foram restituídas integralmente à vítima, sendo certo que o acusado não praticou nenhum ato de violência.
2. Para que se dê a incidência da norma penal não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo legal. É preciso que a conduta delituosa se contraponha, em substância, ao tipo em causa. Necessário que a vítima experimente efetivo desfalque em seu patrimônio, ora maior, ora menor, ora pequeno, mas sempre um real prejuízo material. Não a subtração de algo que já estava logicamente destinado a descarte, pela exaustão do seu uso pessoal e valor pecuniário ínfimo. Pena de se provocar a desnecessária mobilização de u'a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar.
3. A inexpressividade financeira dos objetos subtraídos pelo acusado (menos de cem reais) salta aos olhos. A revelar muito mais uma extrema carência material do ora paciente do que uma firme intenção e menos ainda toda uma crônica de vida delituosa. Paciente que, nos termos da proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), não se apresenta com nenhuma condenação anterior e preenche, em linha de princípio, os requisitos do art. 77 do Código Penal (I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício).
4. Desfalque praticamente nulo no patrimônio da suposta vítima, que, por isso mesmo, nenhum sentimento de impunidade experimentará com o reconhecimento da atipicidade da conduta do agente.
5. Habeas corpus deferido para determinar o trancamento da ação penal, na linha do parecer ministerial público." (HC 92.411/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJe de 09/05/2008.)
Ressalte-se, portanto, que a aplicabilidade do princípio da insignificância no furto, para afastar a tipicidade penal, é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado (no caso o patrimônio) sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social.
Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM, para determinar o trancamento da ação penal movida contra o Paciente, CLAUDIONEY DE RESENDE, n.º de origem 0024.05.785208-9.
É como voto.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2009/0107357-3 HC 138144 / MG
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 10000094919016 24057852089
EM MESA JULGADO: 08/09/2009
Relatora
Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADO: GUILHERME TINTI DE PAIVA - DEFENSOR PÚBLICO
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE: CLAUDIONEY DE RESENDE
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Furto
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."
Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília, 08 de setembro de 2009
LAURO ROCHA REIS
Secretário
Documento: 911053
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 28/09/2009
terça-feira, 29 de setembro de 2009
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