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terça-feira, 29 de setembro de 2009

TJ CONCEDE HC PRISÃO POR DIVIDA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO
HABEAS CORFVS - Ação de execução - O paciente está, de forma unilateral e arbitrária, sendo ameaçado de prisão civil, caso não deposite o valor de R$ 222.274,63 apurado pelo sr. Contador Judicial pelos prejuízos sofridos pela exeqüente em razão da redução da garantia - Não caracterização de depositário típico - Prisão civil do depositário infiel - Inadmissibilidade - Constrição da liberdade por dívida limitada ao devedor de alimentos pelo art. 5o, LXVII, da CF, decorrente da Emenda Constitucional n. 45, de 31/12/2004, que tornou os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalentes à norma constitucional, a qual tem aplicação imediata e referindo-se ao Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário e tal Pacto proíbe a prisão do depositário infiel - Habeas Corpus concedido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de HABEAS CORPUS N° 7.354.576-3, da Comarca de MARÍLIA - SP, sendo impetrante MARINO MORGATO, paciente JOSÉ EUGÊNIO ZANIRATO e impetrado MM. JUIZ DE DIREITO DA 1a VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARÍLIA - SP.

ACORDAM, em Décima Nona Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, conceder a ordem.
Cuida-se de "HABEAS CORPUS" impetrado por MARINO MORGATO contra o ato do MM° Juiz de Direito da MMa 1a Vara Cível da Comarca de Marília, Estado de São Paulo, em favor do paciente JOSÉ EUGÊNIO ZANIRATO, que se encontra ameaçado de prisão civil por depositário infiel, porque foi feita a penhora de uma AERONAVE, prefixo PT WBP, n. série AR 28770385, modelo PA-28R201T, no valor de R$ 265.126,83, mas avaliada em US$ 80.000,00, que, em 16/04/2002, no Aeroporto de Bauru-SP, em razão de defeito no freio de mão, sofrendo diversos danos, e reavaliada em R$ 80.000,00, sendo arrematada em hasta pública pelo valor de R$ 30.000,00; porém, o exeqüente requereu que o depósito em dinheiro da diferença da primeira e segunda avaliação e que foi deferido; o paciente se encontra na iminência de intimação para depositar o valor da diferença sob pena de decretação de sua prisão civil. (fls. 118/119).
A D. Autoridade tida como coatora prestou suas informações a D. Procuradoria Geral de Justiça deste E. Tribunal, por seu sábio Procurador de Justiça - Ora. Marcelo Rovere, manifestou pelo deferimento do remédio constitucional de hábeas corpus.
É o relatório.
De fato, nos autos do processo n. 344.01.1995.005670- 0/000000-000 ou 2715/2007 - 1a. Vara Cível da Comarca de Marília/SP, foi penhorada uma AERONAVE, prefixo PT WBP, n. série AR 28770385, modelo PA- 28R201T, que foi avaliada em US$ 80.000,00, porém antes de ser levada a leilão sofre acidente em mãos do executado José Eugênio Zanirato; nova avaliação foi fixada em R$ 80.000,00, com a concordância das partes. A exeqüente requereu a instauração de inquérito policial e a intimação do executado para entregar o bem equivalente ao destruído ou depositar o equivalente a primeira avaliação. A Aeronave foi levada a leilão e arrematada por 40% do valor da segunda avaliação, pelo fixo do executado. A exeqüente reiterou o pedido de enquadramento do executado José Eugênio Zanirato como depositário infiel. Sobreveio decisão onde foi determinada a remessa dos autos ao Contador Judicial para calcular o valor dos prejuízos sofridos pela exeqüente em razão da redução da garantia. Após, foi proferida a seguinte decisão: "Vistos. Considerando que não houve impugnação ao valor encontrado pelo senhor Contador Judicial (fls. 647), intime-se o executado JOSÉ EUGÊNIO ZANIRATO para que deposite a importância de R$ 222.274,63, no prazo de vinte e quatro (24) horas, sob pena de ser decretada a prisão como depositário infiel, pelo prazo de até um ano (art. 904, CPC)".
Portanto, o paciente está sendo efetivamente ameaçado de prisão civil por depositário infiel porque se não for realizado o deposito judicial correspondente ao numerário encontrado pelo sr. Contador Judicial, ou seja, a importância de R$ 222.274,63, pois caso não haja tal depósito, o paciente poderá a vir sofrer restrição em sua liberdade de ir e vir.
A Constituição da República restringe a prisão civil apenas a dois casos, conforme o art. 5o inciso LXVII: "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".
Proíbe-a o inciso LXVII, do artigo 5o, da atual Constituição Federal, permitindo a prisão civil por dívida tão-só em duas hipóteses: no caso de devedor de prestação alimentícia e a de depositário infiel.
O artigo 1.287 do Código Civil exige observância do princípio de tipicidade, restringindo essa prisão aos casos de contrato de depósito (artigos 1.265 e seguintes do Código Civil), vedado, ainda até mesmo por outra lei, que venha estender, por ficção, a condição de depositário, como sucedeu no presente caso, pois o PACIENTE foi unilateralmente incumbido de assumir o encargo de depositário do valor penhorado (30% do faturamento da " 13a. Festa Fantasia".
Define, o Professor Washington de Barras Monteiro, com sua peculiar facilidade de sempre expor suas lições, que o depósito é "o contrato pelo qual uma das partes, recebendo de outra uma coisa móvel, se obriga a guardá-la temporária e gratuitamente, para restituí-la na ocasião aprazada, ou quando lhe for exigida. Daquela definição sobressaem os traços característicos do contrato de depósito: (a) - a entrega da coisa pelo depositante ao depositário; (b) - a natureza móvel da coisa depositada; (c) - a entrega desta para o fim de ser guardada; (d) – a restituição no ensejo aprazado, ou quando reclamada pelo depositante; (e) – a temporariedade e a gratuidade cio depósito" ("in" Curso de Direito Civil - Direito das Coisas - 5o volume - 2a Parte - edição Saraiva 1965 - p. 233/234).
Depositário infiel, portanto, só é aquele descrito no artigo 1.287 do Código Civil, dadas as características do contrato de depósito, a que não se pode igualar, por ficção, o devedor fiduciário ou pignoratício, como o caso dos autos. A equiparação do simples devedor por penhor comercial, fixado em contrato de mútuo, ao depositário decorrente de contrato de depósito típico, é ilegal e deve ser banida do nosso direito pátrio. Não pode mais, destarte, conceber ação de cobrança ou executiva sob ameaça de prisão civil.
Por conseguinte, notório que essa abominável prisão civil, acenada como verdadeira coação, para que o devedor venha pagar débito com imposição do encargo de depositário de forma unilateral e arbitrária, não se coaduna com a figura típica do depositário infiel.
A propósito, já decidiu o Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "Não há como se admitir a ameaça de prisão decorrente do texto legal pela eventual inexistência do bem depositado, sabido que a privação da liberdade por causa tal se contrapõe ao princípio constitucional de impossibilidade de prisão por dívida" (STJ-3a Turma, REsip. n° 3.909-RS, Rei. Sr. Min. Waldemar Zveiter, j . em 11.9.90, DJU de 29.10.1990, p. 12.145, 1a col. em.). No mesmo sentido: RSTJ vol. 23/378; RT 665/107 e 563/42-47: "Jurisprudência Brasileira", vol. 163/332-336; JTACSP-LEX 145/92; JTACSP-RT 116/69.
O Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL vem reiteradamente considerando inadmissível a imposição de prisão civil do depositário infiel que tenha assumido tal condição em razão de garantia de crédito (RE n. 349.703-RS, Rei. Ministro Carlos Aires Brito).
Também, o Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já assentou entendimento no sentido de impossibilidade de imposição de prisão civil em caso de alienação fiduciária, quando o devedor fiduciante deixa de entregar a coisa ou seu equivalente em dinheiro (EREsp. N. 149518-GO, j . 05/05/1999, Rei. Min. Ruy Rosado Aguiar, RT 777/145; EREsp. 153801-SP, j . 07/06/2000, Rei. Min. Hélio Mosimann, RSTJ 135/42; HC 11.918-CE, j . 20/10/2000, Rei. Min. Nilson Naves, DJ 10/06/2002, p. 125: RHC 4288-RJ, j . 13/03/1995, Rei. Min. Ademar Maciel, LEX-STJ 78/361).
Por último, o Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em recentíssimo julgamento no Recurso Extraordinário n. 349703, no dia 04 de dezembro de 2008, arquivou-o e, por unanimidade, negou provimento ao RE 466343, que ambos discutiam a prisão civil de alienante fiduciário infiel. Assim, o fundamento da impossibilidade de decretação da prisão de depositário infiel deu-se à luz da redação trazida pela Emenda Constitucional n. 45, de 31/12/2004, que tornou os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalentes à norma constitucional, a qual tem aplicação imediata, referindo-se ao pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.
Por esses motivos, concede-se a ordem de "Habeas Corpus"; expedindo-se contramandado de prisão.

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